Verão Quente de 1975
Verão Quente de 1975 é a designação dada ao período conturbado pelo que passou Portugal, caracterizado por uma certa anarquia no governo, forças armadas e sociedade, e por tensões crescentes entre grupos de esquerda e de direita. O período teve como prenúncio as comemorações do 1.º de Maio desse ano, levadas a cabo pela Intersindical.[1][2]
Antecedentes
Após 48 anos de ditadura, Portugal procura um novo caminho. No princípio dos anos 1970, a recusa do regime pelos estudantes está cada vez mais radicalizada. As crises estudantis marcam os anos 1960 (1962, 1969), mas a politização vai-se radicalizar, e a morte de Ribeiro Santos em 1972 às mãos da PIDE vai ser emblemática.[1][2][3][4]
Num mundo dividido pela Guerra Fria e tendo Portugal durante a ditadura alinhado com o lado ocidental, influências marxistas, maoistas, entre outras vão ser particularmente atraentes para os jovens. A 25 de abril de 1974, um movimento liderado por capitães vai depor a ditadura para se criar um novo regime em liberdade. Convergindo a maioria na direção do "socialismo", vai haver diferentes visões de qual o caminho a seguir: (1) se uma aproximação à Europa Ocidental; (2) a influências do bloco de leste, seja Moscovo ou Havana; (3) ou tentar voltar ao passado. A 11 de março de 1975, um golpe de direita liderado por António de Spínola vai falhar e acelerar as movimentações à esquerda.
Protagonistas
- Políticos como Mário Soares defendiam a aproximação à Europa Ocidental.
- Após décadas de privações, a esquerda e populares de esquerda procuravam o acesso aos meios de produção, detidos nas mãos de poucos, através das nacionalizações e das ocupações de terras. Havia duas correntes diferentes, uma liderada por Álvaro Cunhal e o PCP, outra simbolizada por Otelo e José Afonso com características mais basistas. O general Vasco Gonçalves vai ter um papel marcante como primeiro-ministro neste período.
- Por fim, o general Spínola, como outros militares, teve um papel determinante nesse período. Durante o Processo Revolucionário em Curso (PREC), as facções de direita e a Igreja Católica receavam uma evolução mais radical do processo político iniciado com a Revolução dos Cravos e actuaram com violência para a impedir via organizações como o MDLP.[3]
Há ainda intervenientes externos como Frank Carlucci, embaixador americano.
Ações
A norte, há mais de 550 actos violentos, como o assalto a sedes de partidos de esquerda e atentados bombistas, por grupos como o Movimento Maria da Fonte, o MDLP, o ELP, e os CODECO.[3] Estes ocorreram em várias localidades, sobretudo no Norte de Portugal,[1] de que Rio Maior, palco de grandes distúrbios organizados pela CAP (Confederação dos Agricultores de Portugal), onde passava a Estrada Nacional n.º 1, era a fronteira.[4]
A sul, há expropriações e ocupações de terras promovidas pela Reforma Agrária estabelecida pela esquerda na zona do país onde há propriedades maiores, por vezes por cultivar,[5]
Uma polarização e violência tal gera rumores sobre uma possível guerra civil.[1]
Como consequência disso, seguiu-se a demissão do IV Governo Provisório, coligação entre partidos de esquerda e direita, dando azo à crise governamental que levaria à queda deste Governo e, logo a seguir, à contestação ao V Governo Provisório e à demissão de Vasco Gonçalves.[6]
Nesta altura surge o Grupo dos Nove, facção moderada liderado por Melo Antunes, que tomaram posição através da elaboração do "Documento dos Nove".[1]
O PS abandona o governo como sinal de protesto contra a ocupação do jornal "República", facto que ficou conhecido como "Caso República".[1]
Os interesses estratégicos dos EUA fizeram-se então sentir pela acção do seu embaixador Frank Carlucci, que viria a ser dirigente da CIA, nessa altura destacado para Lisboa, e pelos propósitos pouco pacíficos de Henry Kissinger, que não excluía a hipótese de uma intervenção armada norte-americana, de que foi dado sinal pelo envio do porta-aviões Saratoga, que fundeou no Tejo. Mário Soares, ao lado de Carlucci, teve papel importante nesse processo.[7]
Outro dos eventos que marcaram o Verão Quente foi o caso que ficou conhecido por "Saneamento dos 24", situação que envolveu o despedimento de 24 jornalistas do Diário de Notícias (DN) — metade da redacção do jornal —, no seguimento de os mesmos terem entregado à direcção um abaixo-assinado em que defendiam a revisão da linha editorial. Um dia depois, na recusa da publicação no DN, o abaixo-assinado foi publicado no Expresso e enviado à BBC.[8]
Ver também
Referências
- ↑ a b c d e «Verão Quente de 1975». CITI, Universidade Nova de Lisboa. Arquivado do original em 26 de outubro de 2003
- ↑ Ferreira, Lurdes (15 de novembro de 2015). «Quando o PS desceu à rua». Público. Consultado em 25 de junho de 2024
- ↑ a b Carvalho, Miguel (2017). Quando Portugal Ardeu: histórias e segredos da violência política no pós-25 de Abril. [S.l.]: Oficina do Livro. ISBN 9789897416675
- ↑ Um caso de violência política: o «Verão quente» de 1975, por Diego Palacios Cerezales, Análise Social, vol. XXXVII (165), 2003, 1127-1157
- ↑ «Verão Quente de 1975». Dicionários Porto Editora. Infopédia
- ↑ «Verão Quente de 1975». Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2011. Consultado em 11 de agosto de 2011
- ↑ Álvaro Cunhal (setembro de 1999). A verdade e a mentira na Revolução de Abril: A contra-revolução confessa-se. Lisboa: Edições Avante!. ISBN 972-550-272-8. Consultado em 11 de agosto de 2011
- ↑ Carla Aguiar (19 de junho de 2010). «O director que marcou o 'verão quente' de 1975». Diário de Notícias. Consultado em 11 de agosto de 2011. Arquivado do original em 26 de novembro de 2012
Bibliografia
Artigos
- «Verão Quente». politipedia.pt
- Gerald Ford autorizou operações da CIA em Portugall, enciclopedia.com [ligação inativa]
- A CEE e o PREC, Francisco Castro, Penélope, nº 26, pp.125-157, 2002
- Costa Gomes quis sossegar os EUA – artigo, Diário de Notícias, 07-08-2005
- A 'cruzada branca' contra 'comunistas e seus lacaios' [ligação inativa] – artigo de Fernando Madaíl, Diário de Notícias, 17-08-2005
- Revista História Viva, Outubro 2005
- A Verdade sobre o 25 de Novembro [ligação inativa] – Mário Tomé, Bloco Madeira, 24-11-2006
- Gerald Ford autorizou operações da CIA em Portugal e Angola [ligação inativa] – artigo, José Pestana, Agência Lusa, 29-12-2006
- O Caso Rádio Renascença [ligação inativa] – Análise Social nº 180, Lisboa, 2006
- Olhe que não Dr. Soares – Semanário,[ligação inativa] 07-02-2008
- Espanha quis invadir Portugal em 1975 [ligação inativa] – História Militar, Área Militar, 11-03-2008
- Carlucci e a CIA [ligação inativa]- Público, 22-09-2008
- Livro revela que Carlucci comandou actividades da CIA em Portugal em 1975 [ligação inativa] - RTP, 22-09-2008
- O 25 de Novembro de 1975 – cronologia dos acontecimentos que conduzem ao 25 de Novembro (3ª Compª Comandos Moçambique) 26-10-2008
- artigo, PREC: Ex-PCP Carlos Brito responsabiliza EUA por "derrota" de Aliança Povo-MFA, Agência Lusa, 12-11- 2008
- Quando os trabalhadores rurais ocuparam a Quinta ribatejana da Torre Bela – O Mirante, 13-11-2008
- Frank Carlucci parecia "um típico mafioso italiano", João Pedro Henriques, Diário de Notícias, 13-11-2008
- Relações Internacionais n.22 (recensão de Maria Inácia Rezola sobre o livro “Carlucci vs. Kissinger”), Scielo Portugal, Lisboa, Junho de 2009
- Escândalos da democracia. Padre candidato acaba morto – sobre o assassinato do “Padre Max”, Rosa Ramos, em Ionline, 24-08-2009
- Sobre o chamado «verão quente» de 1975, por António José Rodrigues, O Militante PCP, 25 de Abril, Edição Nº 338 - Set/Out 2015
- Verão Quente, Público
- Prelados no "Verão Quente", Memórias da Revolução, RTP
- Desclassificados documentos secretos dos EUA sobre Verão Quente de 1975, SIC Notícias, 23.08.2014
- Quando a noite caía o PREC renascia, Pedro Dórdio, Observador, 5 de Setembro de 2015
- O Norte a ferro e fogo, Correio da Manhã, 12.06.2005
- O Verão Quente foi há quarenta anos, por João Ferreira, Notícias Magazine, 27/07/2015
- Quem foi Champalimaud? – artigo de Jorge Costa, 7/9/2016
Livros
- Revolução das Flores, Do 25 de Abril ao Governo Provisório (Documentos), Pedro Seobreiro e Raúl Nascimento, Lisboa, Editorial Aster, 1975.
- A Resistência. O Verão Quente de 1975 , José Gomes Mota, Lisboa, Edições jornal Expresso, Junho de 1976.
- Congeminações: 25 de Novembro, a data que não se comemora: O Verão Quente de 1975, Edições jornal Expresso, Junho de 1976
- A Resistência. O Verão Quente de 1975, José Gomes Mota, Lisboa, Edições jornal Expresso, 1976
- Contos Proibidos – Memórias de um PS Desconhecido, Rui Mateus, Lisboa, Dom Quixote (ver referências e passagens do livro artigo)
- Perspectivas e Realidades, Lisboa, Dom Quixote, 1996 (Ver referência)
- Verdade e Mentira na Rev. de Abril (Ver: O 25 de Novembro, cap. 8), Álvaro Cunhal, Lisboa, Edições Avante, 1999
- Igreja Católica, Estado e Sociedade, 1968-1975: o Caso Rádio Renascença, Paula Borges Santos, Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2005
- Carlucci vs. Kissinger - Os EUA e a Revolução Portuguesa, Bernardino Gomes e Tiago Moreira de Sá, Dom Quixote, Lisboa, 2008 (Recensão: As Memórias Secretas de Washington no PREC, Maria Inácia Rezol, em Scielo Portugal, 22-06-2009)
- Verão Quente de 1975 - Portugal Tempo de Paixão, por Leonor Xavier, Temas & Debates/Círculo de Leitores.
- 25 de Abril -Episódio do Projecto Global , Fernando Pacheco de Amorim, Porto, 1997
- Os Saneamentos Políticos no Diário de Notícias no Verão Quente de 1975, por Pedro Marques Gomes, Alêtheia Editores, 2013, ISBN: 9789896225926.
- 1975: Independência? – O ‘verão quente’ nos Açores, de José Andrade, Publiçor, 2015
Teses universitárias
- Reflexo do “Verão Quente” de 1975 Nos Processos de Transição Democrática de Portugal e Espanha, por Francisco Domingos Garcia Falcão Machado, Instituto de Estudos Políticos, , Universidade Católica Março de 2014 [ligação inativa]
- Um caso de violência política: o «Verão quente» de 1975, Diego Palacios Cerezales, tradução de Rui Cabral, Análise Social, vol. XXXVII (165), 2003, 1127-1157
Outros documentos
- Discurso de Mário Soares no comício da Fonte Luminosa em Julho de 1975, em Portal da História
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