Paradoxo de Loschmidt

Conflito entre princípios físicos conhecidos (simetria no tempo e entropia)

Em Física, Paradoxo de Loschmidt (em homenagem a Johann Josef Loschmidt), também conhecido como o paradoxo da reversibilidade, paradoxo da irreversibilidade, ou Umkehreinwand (objeção de não retorno),[1] é a objeção de que não seria possível deduzir um processo irreversível de uma dinâmica simétrica no tempo. Isso coloca a simetria de reversão temporal de (quase) todos os processos físicos fundamentais de baixo nível em xeque com qualquer tentativa de inferir deles a Segunda Lei da Termodinâmica, que descreve o comportamento dos sistemas macroscópicos. Ambos são princípios bem-aceitos em Física, se mostram observacionais e com suportes teóricos, entretanto parecem estar em conflito, daí o paradoxo.

Origem

O criticismo de Josef Loschmidt foi provocado pelo teorema H de Ludwig Boltzmann, o qual empregrou a teoria cinética para explicar o aumento de entropia em um gás a partir de um estado de não equilíbrio, em que as moléculas são permitidas colidir. Em 1876, Loschmidt apontou que se há um movimento do sistema do tempo t0 para o tempo t1 e subsequentemente para o tempo t2 que leve a um decréscimo de H (aumento da entropia) com o tempo, então há outro estado de movimento permitido para o sistema em t1, encontrado pela reversão de todas as velocidades, no qual H deva aumentar. Isso revela que uma das principais assunções de Boltzmann, caos molecular, o Stosszahlansatz, onde todas as velocidades das partículas são não correlacionadas, não se deriva da dinâmica newtoniana. Pode-se afirmar que possíveis correlações são desinteressantes, e daí decidir-se ignorá-las; mas se assim se faz, muda-se conceitualmente o sistema, injetando um elemento de assimetria temporal através dessa ação.

Leis de movimento reversíveis não podem explicar o porquê de nós experimentarmos nosso mundo em um estado de comparativa baixa entropia no momento (comparado à entropia de equilíbrio da morte térmica do universo; e por ele ter estado com um nível de entropia ainda menor no passado.

Autores posteriores [2] cunharam o termo "demônio de Loschmidt" (em analogia ao demônio de Maxwell) para uma entidade que seja capaz de reverter a evolução temporal em sistemas microscópicos, no caso deles os spins nucleares, o que é, se por tempos diminutos, experimentalmente possível.

Antes de Loschmidt

In 1874, dois anos após o artigo de Loschmidt, William Thomson defendeu a Segunda Lei da Termodinâmica frente à objeção de reversão temporal no seu artigo "The kinetic theory of the dissipation of energy".[3]

Seta do tempo

Ver artigo principal: Flecha do tempo

Qualquer processo que aconteça regularmente na direção crescente do tempo, mas raramente ou nunca na direção oposta, tal como o aumento da entropia em sistemas isolados, define o que os físicos chamam de flecha do tempo na natureza. Esse termo apenas se refere à observação de assimetrias no tempo; não sendo pressuposto uma explicação para tais assimetrias. O paradoxo de Loschmidt é equivalente à questão de como é possível haver uma seta termodinâmica para o tempo dadas leis fundamentais simétricas no tempo, uma vez que simetria no tempo implica que para qualquer processo compatível com essas leis fundamentais, uma versão reversa que pareça exatamente igual a um filme do primeiro processo tocado ao contrário seria igualmente compatível com as mesmas leis fundamentais; e seria inclusive igualmente provável se fosse necessário escolher o estado inicial do sistema aleatoriamente no espaço de fase de todos os possíveis estados para o sistema.

Embora a maioria das flechas do tempo descritas na Física sejam demonstradas serem casos especiais da seta termodinâmica, há algumas que são acreditadas estarem desconexas, como a flecha cosmológica do tempo baseada no fato que o universo está expandindo em vez de contraindo, e o fato de que alguns processos em física de partículas de fato violam a simetria temporal, embora eles respeitem uma simetria relacionada conhecida como simetria CPT. No caso da seta cosmológica, a maioria dos físicos acredita que a entropia continuaria a aumentar mesmo que o universo começasse a contrair (embora o físico Thomas Gold uma vez tenha proposto um modelo no qual a seta termodinâmica seria revertida nessa fase). No caso das violações da simetria temporal em física de partículas, as situações nos quais elas ocorrem são raras e são sabidas envolverem apenas alguns tipos de mesons. Ademais, devido a simetria CPT, reversão na direção do tempo é equivalente a renomear as partículas como antipartículas e vice-versa. Portanto isso não pode explicar o paradoxo de Loschmidt.

Sistemas dinâmicos

Ver artigo principal: Entropia como uma flecha do tempo

Pesquisa atual em sistemas dinâmicos oferece um possível mecanismo para obter irreversibilidade de sistemas reversíveis. O argumento central é baseado na afirmação que a forma correta de estudar a dinâmica dos sistemas macroscópicos é estudar o operador transferência correspondente às equações microscópicas de movimento. É então argumentado que o operador não é unitário (não é reversível) mas tem autovalores cuja magnitude é estritamente menor que um; esses autovalores correspondendo a estados físicos decadentes. Essa abordagem é repleta de várias dificuldades; ela funciona bem em apenas alguns modelos com solução exata. [4].

Ferramentas matemáticas abstratas usadas no estudo de sistemas dissipativos incluem definições de mistura, conjunto errante, e teoria ergódica em geral.

Teorema da Flutuação

Ver artigo principal: Teorema da Flutuação

Uma abordagem para tratar o paradoxo de Loschmidt é o Teorema da flutuação (não confundir com o Teorema da flutuação-dissipação), derivado heuristicamente por Denis Evans e Debra Searles, o qual dá uma estimativa numérica da probabilidade que sistemas fora do equilíbrio terão um certo valor para a função de dissipação (geralmente uma propriedade semelhante à entropia) em certo intervalo de tempo. [5] O resultado é obtido exatamente a partir de equações dinâmicas de movimento reversíveis e da proposição de causalidade universal. O teorema da flutuação é obtido usando o fato que a dinâmica é reversível no tempo. Predições quantitativas desse teorema foram confirmadas em experimentos laboratoriais na Universidade Nacional Australiana conduzidos por Edith M. Sevick et al. usando a tecnologia de tesoura óptica.[6] Esse teorema é aplicável a sistemas transitórios, os quais podem inicialmente estar em equilíbrio e então serem deslocados dele (como fora o caso do primeiro experimento realizado por Sevick et al.) ou algum outro estado inicial, incluindo relaxação em direção ao equilíbrio. Há também resultados assintóticos para sistemas que não se encontram no estado de equilíbrio estável durante todo o tempo.

Há um ponto crucial no teorema da flutuação, que difere de como Loschmidt emoldurou o paradoxo. Loschmidt considerou a probabilidade de se observar uma trajetória única, o que é análogo a perguntar sobre a probabilidade de observar um ponto único no espaço de fase. Em ambos os casos a probabilidade é sempre zero. Para ser capaz de efetivamente tratar isso se deve considerar a densidade de probabilidade para um conjunto de pontos em uma pequena região do espaço de fase, ou conjunto de trajetórias. O teorema da flutuação considera a densidade de probabilidade para todas as trajetórias que estão inicialmente em uma pequena região infinitesimal do espaço de fase. Isso leva diretamente à probabilidade de se encontrar a trajetória, em ambos os conjuntos de trajetórias que avançam ou retrocedem, dependendo da distribuição de probabilidade inicial bem como da dissipação que ocorre quando o sistema evolui. É a diferença crucial na abordagem que permite ao teorema da flutuação corretamente resolver o paradoxo.

Teoria da informação

Uma proposta mais recente se concentra no ponto do paradoxo onde as velocidades são invertidas. No momento em que o gás se torna um sistema aberto, e para reverter as velocidades, medidas de posição e velocidade têm de ser feitas[7]. Sem isso nenhuma reversão é possível. Essas medidas são elas próprias ou irreversíveis, ou reversíveis. No primeiro caso, elas requerem um aumento da entropia no dispositivo de medida que irá no mínimo balancear o decréscimo durante a evolução reversa do gás. No segundo caso, o princípio de Landauer pode ser evocado para se chegar à mesma conclusão. Logo, o gás + sistema de dispositivos de medidas obedecem à Segunda Lei da Termodinâmica. Não é coincidência que esse argumento espelhe de perto outro dado por Bennett para explicar o demônio de Maxwell. A diferença é que o papel da medida é óbvio no demônio de Maxwell, mas não no paradoxo de Loschmidt, o que pode explicar o intervalo de 40 anos entre ambas as explicações. No caso do paradoxo de trajetória única, esse argumento antecipa a necessidade de qualquer outra explicação, embora algumas delas tragam pontos válidos. O paradoxo mais amplo, “um processo irreversível não pode ser deduzido de uma dinâmica reversível” não é coberto pelo argumento dado nessa seção.

Big Bang

Outra maneira de se lidar com o paradoxo de Loschmidt é encarar a segunda lei como a expressão de um conjunto de condições de contorno, nas quais a coordenada temporal do nosso universo tem um ponto de partida com baixa entropia: o Big Bang. Desse ponto de vista, a seta do tempo é inteiramente determinada pela direção que leva para longe do Big Bang, e um universo hipotético como Big Bang de máxima entropia não teria uma seta do tempo. A teoria da inflação cósmica tenta estabelecer razões para que o universo primitivo tenha tão baixa entropia.

Veja também

Referências

  1. Wu, Ta-You (December 1975). «Boltzmann's H theorem and the Loschmidt and the Zermelo paradoxes». International Journal of Theoretical Physics. 14 (5): 289. Bibcode:1975IJTP...14..289W. doi:10.1007/BF01807856  Verifique data em: |data= (ajuda)
  2. Waugh, J. S., Rhim, W.-K. and Pines, A.. "Spin echoes and Loschmidt's paradox" Pure and Applied Chemistry, vol. 32, no. 1-4, 1972, pp. 317-324. [1]
  3. Thomson, W. (Lord Kelvin) (1874/1875). The kinetic theory of the dissipation of energy, Nature, Vol. IX, 1874-04-09, 441–444.
  4. Dean J. Driebe, Fully Chaotic Maps and Broken Time Symmetry, (1999) Kluwer Academic ISBN 0-7923-5564-4.
  5. D. J. Evans and D. J. Searles, Adv. Phys. 51, 1529 (2002).
  6. Sevick, Edith. «2002 RSC Annual Report - Polymers and Soft Condensed Matter». Research School of Chemistry. Australian National University. Consultado em 1 de abril de 2022 
  7. Binder, P.M. (2023). «The reversibility paradox: Role of the velocity reversal step». International Journal of Theoretical Physics. 62 (9): 200. Bibcode:2023IJTP...62..200B. doi:10.1007/s10773-023-05458-xAcessível livremente 
  • J. Loschmidt, Sitzungsber. Kais. Akad. Wiss. Wien, Math. Naturwiss. Classe 73, 128–142 (1876)

Ligações Externas

  • Reversible laws of motion and the arrow of time por Mark Tuckerman
  • Sistemas de brinquedo com dinâmica discreta reversível no tempo mostrando aumento de entropia Fibonacci Iterated Map ; Ising-Conway Game