Jean-Baptiste Denys Jean-Baptiste Denis | |
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Nascimento | c. 1635 |
Morte | Paris, França |
Jean-Baptiste Denys (c. 1635 – 3 de outubro de 1704) foi um médico francês[1] notável por ter realizado a primeira transfusão de sangue humana completamente documentada, uma xenotransfusão. Estudou em Montpellier e foi médico pessoal do rei Luís XIV.
Primeiros anos
[editar | editar código fonte]Denys nasceu na década de 1630, embora seu nascimento não tenha sido registrado. Seu pai era artesão especializado em bombas d'água, que estavam se tornando cada vez mais populares. A paixão de Denys pela medicina também foi influenciada por seu próprio sofrimento com asma.[2]
Educação
[editar | editar código fonte]Denys obteve o bacharelado em teologia no Colégio des Grassins e o diploma de medicina pela Faculdade de Medicina de Montpellier. Sua ambição o levou a tentar uma carreira em Paris, mas a má reputação da universidade o tornou um estranho para a elite científica parisiense.
Em Paris, estabeleceu-se entre os estudantes de medicina no Quartier Latin, onde ministrava aulas de anatomia e promovia uma abordagem prática, como fazia o anatomista renascentista Andreas Vesalius. Essas aulas tinham como objetivo estabelecer conexões importantes na comunidade médica de Paris, mas geravam pouca renda.[2]

Contexto geral
[editar | editar código fonte]Os anos de 1667 e 1668 foram marcados pela crescente euforia em torno da possibilidade da transfusão de sangue.[2]
Franceses e ingleses competiam pela primazia na realização da primeira transfusão de sangue humano bem-sucedida. Membros da Sociedade Real Britânica começaram injetando líquidos nas veias de animais, progredindo para transfusões entre cães. A Academia Francesa de Ciências também realizou experiências com cães, mas sem sucesso comparável.[2]
Tentativas de transfusão de sangue
[editar | editar código fonte]Denys iniciou colaboração com o cirurgião-barbeiro Paul Emmerez (falecido em 1690), motivado pelos relatos de sucesso inglês. Durante uma dissecação, compartilhou com seus alunos a crença de que a transfusão era a "prova nova e completamente convincente" da circulação sanguínea, opinião pela qual foi criticado.[2]
Seu primeiro caso documentado foi entre dois cães pequenos. Cerca de nove onças de sangue foram transferidas, mas um dos cães apresentou fraqueza repentina, encerrando o experimento. O outro cão permaneceu alerta, ainda que menos "alegre". Denys realizou então um experimento de controle científico com um terceiro cão, monitorando sinais como movimentos oculares, alimentação e peso.[2]
Denys acreditava que a transfusão de sangue traria reconhecimento em toda a Europa. Em 9 de março de 1667, anunciou no Journal des sçavans suas demonstrações anatômicas e terapêuticas com transfusão, enfrentando a oposição da Academia de Ciências, da Faculdade de Medicina e de Charles Perrault.[2]
Ele transferiu suas pesquisas para a academia privada de Henri Louis Habert de Montmor, onde, com novos recursos, realizou várias experiências com cães. Das 19 registradas, nenhuma resultou em morte. Depois, realizaram transfusões entre espécies: bezerros, cães, ovelhas, vacas, cavalos e cabras.
Denys relatou seus sucessos ao Journal des sçavans, estabelecendo contato com Henry Oldenburg e o periódico Philosophical Transactions. Ignorou, no entanto, os trabalhos ingleses, causando controvérsias. Seu próximo passo seria a xenotransfusão em humanos, usando cordeiros, símbolo do sangue de Cristo.[2]
Experimentos em humanos
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Em 15 de junho de 1667, Denys realizou a primeira xenotransfusão humana documentada, com auxílio de Emmerez, ao transfundir cerca de doze onças de sangue de cordeiro em um menino de 15 anos com febres incontroláveis. No dia seguinte, o menino parecia curado.[2]
Realizou outra transfusão em um açougueiro, também com bons resultados. É provável que a quantidade reduzida de sangue tenha evitado reações alérgicas graves.[2]
Antoine Mauroy
[editar | editar código fonte]Em novembro de 1667, Mauroy foi levado por guardas de Montmor e transfundido diante de nobres. Após o procedimento, apresentou febre, náuseas, hemorragias e urina escura. Recuperou-se dias depois, o que Denys considerou prova de sucesso, divulgada em carta a Oldenburg, publicada em 10 de fevereiro de 1668 na Philosophical Transactions.[3]
Após dois meses, Mauroy voltou a apresentar surtos causados por álcool e tabaco. Denys realizou nova transfusão, que reduziu o delírio mas causou efeitos colaterais. A terceira, feita por insistência da esposa, terminou em convulsões e Mauroy morreu no dia seguinte.[3]
Relatos indicam que o bezerro nem havia sido aberto antes das convulsões. Denys e Emmerez tentaram autópsia, mas foram impedidos pela esposa.[3]
Julgamento
[editar | editar código fonte]Em 17 de abril de 1668, Denys foi julgado no Grand Châtelet. Afirmava que sua perseguição era motivada por sua oposição à Academia de Ciências. O comissário Le Cerf repassou o caso ao tenente criminal Jacques Defita.[2]
Testemunhas, incluindo Perrine Mauroy, foram supostamente subornadas por médicos rivais. Arsenito foi encontrado com Perrine, sugerindo que ela envenenava o marido. Denys foi absolvido, Perrine presa, mas seus cúmplices não foram investigados. O juiz proibiu novas transfusões sem aprovação da Faculdade de Medicina de Paris.[2]
Após o julgamento
[editar | editar código fonte]Após o julgamento, Denys tentou recuperar a reputação, sem sucesso. Seu advogado, Chrétien de Lamoignin, apresentou uma defesa considerada brilhante, mas a proibição da prática foi mantida. Denys voltou às aulas no bairro do Quartier Latin e, quatro anos depois, inventou um líquido anti-hemorrágico.[2]
Solução hemostática de Denys
[editar | editar código fonte]Em 1673, Denys apresentou a Henry Oldenburg sua "Essência de Denys", substância anti-hemorrágica, supostamente superior à cauterização com ferro ou agulha. A solução continha provavelmente alúmen de potássio e ácido sulfúrico. Recebeu reconhecimento do rei Carlos II de Inglaterra, que o convidou para ser seu médico pessoal em Londres, convite que recusou para voltar a Paris.[2]
Em 30 de maio de 1673, Walter Needham e Richard Wiseman testaram a solução em um cão, estancando com sucesso o sangue da artéria jugular. A substância também funcionou em pacientes do Hospital de St. Thomas em Southwark.[3]
Morte
[editar | editar código fonte]Denys morreu em 1704, aos 69 anos.
Leitura adicional
[editar | editar código fonte]- Tucker, Holly (2012). Blood Work: A Tale of Medicine and Murder in the Scientific Revolution
. [S.l.]: W. W. Norton & Company. ISBN 978-0393342239
Referências
[editar | editar código fonte]Referências
- ↑ «This Month in Anesthesia History». Consultado em 15 de junho de 2009. Arquivado do original em 20 de julho de 2011
- ↑ a b c d e f g h i j k l m n Tucker, Holly (2012). Blood Work: A Tale of Medicine and Murder in the Scientific Revolution
. [S.l.]: W. W. Norton & Company. p. 222. ISBN 978-0393342239
- ↑ a b c d Denis, Monsieur (1673). «Experimens of a Present and Safe way of Staunching by a Liquor the Blood of Arteries as Well as Veins; Made Both in London and Paris». Philosophical Transactions. 8: 6052–6059. JSTOR 101354