Direito do Mercado Comum do Sul

Direito do Mercado Comum do Sul (Mercosul) é a estrutura jurídica mediante a qual funciona o Mercosul, uma organização intergovernamental de integração regional fundada a partir do Tratado de Assunção em 26 de março de 1991 e que, portanto, conta com personalidade jurídica própria. Combina, no sentido amplo do direito, os clássicos tratados, protocolos e declarações do direito internacional, com normas jurídicas próprias obrigatórias emanadas de seus órgãos decisórios, recomendações não obrigatórias emitidas pelos órgãos em geral e acordos de concertação social regional. No sentido estrito, inclui apenas aquelas normas de aplicação direta ou obrigatória para os Estados-parte, emitidas pelos órgãos decisórios.

O Supremo Tribunal Federal, do Brasil, em sua página oficial, disponibiliza o MercoJur, informes jurídicos sobre decisões e notícias das Cortes Supremas e Constitucionais dos Estados-Partes do Mercosul e Associados.[1]

Classificação e divisão

Cúpula do Mercosul, em 2006.

Na medida em que o Mercosul é associado à integração dos sistemas jurídicos dos Estados-parte, há especialistas que classificam o direito do Mercosul como "Direito de Integração", um ramo geral que também incorpora o direito comunitário como o da União Europeia (UE), que nessa caso é definido como "direito de Integração a nível de comunidade".[2][3]

Noutra linha, as normativas oriundas dos órgãos decisórios do Mercosul são de aplicação obrigatória e, mesmo com diferenças quanto ao sistema de internalização de normas que cada Estado possui, isso gerou um problema específico sobre o modo de "internalizar" as normativas do Mercosul aos ordenamentos jurídicos nacionais e o nível de hierarquia que ocupam na pirâmide jurídica.[4] Ao precisar em todos os casos de um ato jurídico dos países para incorporar as decisões do Mercosul, outro conjunto de especialistas discutem se estas normas constituem realmente um direito próprio do Mercosul ou se se trata de normas de direito internacional que precisam ser ratificadas.

A prática dos países com procedimentos para uma rápida incorporação das normas mercosulinas como direito interno/nacional, inexistindo caso de aplicação direta da mesma, leva especialistas a sustentar que o direito mercosulino não tem condição de direito supranacional ou comunitário (como é o caso da UE), mas sim é regido pelo funcionamento clássico do direito internacional, com a adoção das normativas do Mercosul ao direito nacional.

Para além do âmbito externo classificatório, o direito do Mercosul é dividido em direito originário e derivado. O primeiro é decorrente das normas fundacionais (tratado constitutivo e emendas). Nesse estão incluídos o Tratado de Assunção, de 1991, o Protocolo de Brasília sobre Solução de Controvérsias, de 1991, e Protocolo de Ouro Preto, de 1994. Além dessas, existem também protocolos e instrumentos adicionais ou complementares versando sobre aspectos fundamentais para a integração. O segundo são as normativas oriundas dos órgãos decisórios, que, uma vez aprovadas e ratificadas nas ordens jurídicas internas, incorporam-se a estas revogando qualquer disposição em contrário. É importante observar que todas elas são obrigatórias para os Estados-membros. A elaboração do direito derivado do Mercosul é feita pelo Conselho do Mercado Comum (CMC) com suas decisões, pelo Grupo Mercado Comum (GMC) com suas resoluções e pela Comissão de Comércio do Mercosul (CCM) com suas diretrizes. Essas normas são obrigatórias para os Estados, todavia, tais órgãos não têm poderes supranacionais.

Internalização

O Protocolo de Ouro Preto, no art. 42, estabeleceu que as normas emanadas dos três órgãos decisórios do Mercosul terão caráter obrigatório e deverão, quando necessário, ser incorporadas aos ordenamentos jurídicos nacionais mediante os procedimentos previstos pela legislação de cada país. Isso significa que as normas emanadas dos órgãos decisórios do Mercosul que tiverem envergadura de lei, ou seja, que interferirem na ordem pública interna dos Estados-membros, deverão passar pelos parlamentos nacionais, obedecendo aos princípios constitucionais internos de incorporação dos atos internacionais. Aquelas que não tiverem essa característica, em outras palavras, que forem meramente executivas, administrativas, são desde logo obrigatórias, incorporando-se, imediatamente, através de portarias de ministérios ou de órgãos técnicos competentes, como, por exemplo, no caso do Brasil, o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro).

É importante ressaltar que muitas dessas normas não foram e não precisam ser incorporadas no Brasil porque foram feitas considerando regras já existentes e em vigor no Brasil. Logo, a sua incorporação é desnecessária. Vale sempre recordar que, no processo de harmonização, ou aproximação legislativa no Mercosul, toma-se como referencial o país cuja legislação esteja de acordo (ou mais consentânea) com os princípios internacionais. Em caso de inexistência, recorre-se diretamente aos princípios internacionais, isto é, às convenções internacionais existentes.

Assim, os países partes do Mercosul possuem diferentes mecanismos constitucionais para "internalizar" as normas estabelecidas pelo bloco e atribuem diferentes graus de supremacia em seu direito interno. Na Argentina e Paraguai, que têm adotado o sistema conhecido como "monista", os tratados e protocolos ratificados têm valor superior às leis nacionais e, portanto, não podem ser derrogados nem supridos por estas. No Brasil e Uruguai, que têm adotado o sistema conhecido como "dualista", os tratados e protocolos têm o mesmo valor que as leis nacionais e, portanto, estas predominam sobre aqueles se são de data posterior. Por outro lado, as constituições dos países partes não têm definido com clareza o status jurídico das normas obrigatórias ditadas pelos organismos decisórios do Mercosul, nem suas condições de validez interna em cada estado.

O STF no Brasil se manifestou sobre a questão da aplicação das normas de integração em uma carta rogatória,[5] cujo cumprimento dependia do Protocolo de Medidas Cautelares do Mercosul. Em seu voto, o ministro Celso de Mello referiu-se à recepção dos acordos celebrados pelo Brasil com o Mercosul, equiparando-os aos demais tratados ou convenções internacionais em geral. Embora reconheça ser desejável uma incorporação diferenciada para os atos provenientes do Mercosul, entendeu o ministro que o tema dependeria de reforma do texto da Constituição, acreditando que o sistema constitucional brasileiro atual não consagra o princípio do efeito direto nem o postulado da aplicabilidade imediata dos tratados ou convenções internacionais, razão pela qual não podem essas normas ser invocadas pelos particulares ou aplicadas no âmbito doméstico do Estado brasileiro enquanto não forem completadas as etapas necessárias à sua entrada em vigor. Na prática, cada país tem elaborado procedimentos que permitam uma rápida incorporação das normas do Mercosul como direito interno, mas em nenhum caso há uma aplicação direta. Isto tem levado a vários especialistas a sustentar que o direito do Mercosul não tem uma condição de direito comunitário.

Solução de controvérsias

O mecanismo de solução de controvérsias do Mercosul passou por quatro fases distintas até chegar a configuração atual: a) o anexo III do Tratado de Assunção; b) o Protocolo de Brasília; c) o Protocolo de Ouro Preto; e d) o Protocolo de Olivos.

Anexo III do Tratado de Assunção

A principal característica do sistema de solução de controvérsias do Mercosul é o fato de ele não ser institucional, mas ad hoc.

Esta primeira fase de funcionamento do órgão, regulado pelo Tratado de Assunção, iniciou-se em 1994 e possuía prazo de vigência durante a transição do Mercosul.[6]

Nesta fase o mecanismo de solução de controvérsias possuía o seguinte funcionamento:

  • Qualquer controvérsia que surgir entre Estados-membros será resolvida através de negociações diretas;
  • Caso as partes não encontrassem solução, a controvérsia seria encaminhada ao Grupo Mercado Comum (GMC), para apresentar uma solução em 60 dias;
  • Se o GMC não encontrar solução, o Conselho do Mercado Comum (CMC) se manifestará sobre a disputa.

Protocolo de Brasília

A segunda fase, que teria uma função transitória, acabou virando definitiva e sofreu algumas alterações posteriormente.

O Protocolo de Brasília define os seguintes casos a serem de competência de análise do órgão de solução de controvérsias:[7]

Apesar do mecanismo ser criado para solucionar as controvérsias dos Estados membros do bloco, é permitido que particulares iniciem o procedimento.[8]

No Protocolo foram previstas três fases de procedimentos para solucionar as controvérsias: negociações diretas, a intervenção do Grupo Mercado Comum e o Procedimento Arbitral.

A negociação direta objetiva resolver os conflitos de forma mais eficiente.[9] Caso não surja nenhuma solução, qualquer das partes poderá encaminhar ao Grupo Mercado Comum, que devera atuar como mediador entre as partes e apresentar propostas ou recomendações para que se encerre o litígio em um prazo não superior a 30 dias.[10] Caso não se encerre o litigo, passa-se para a terceira e última fase: a arbitragem.[11]

O procedimento arbitral tem caráter jurídico e surge quando se instaura o Tribunal Ad hoc. Este será composto de três árbitros[12] que decidirão com base nas fontes normativas internacionais elencadas no protocolo de Brasília.[13]

Cada Estado é obrigado a indicar dez árbitros para integrar uma lista registrada na Secretaria Administrativa do Mercosul. Desses, cada Estado parte na controvérsia indicará um árbitro para compor o tribunal. O terceiro árbitro, que presidirá o tribunal, será designado em comum acordo pelas partes e não poderá ser nacional de nenhuma dos Estados envolvidos no litígio.[14]

No fim, o tribunal deve dar a decisão do caso por escrito em um prazo de sessenta dias (prorrogáveis por mais trinta) que inicia a sua contagem quando o Presidente do Tribunal for designado.[15]

O laudo arbitral será adotado por maioria, em um procedimento confidencial, mas fundamentado. Este laudo é inapelável e cria obrigação para os Estados partes da litigância, devendo ser cumpridos em um prazo de quinze dias desde que o tribunal não estipule outro.[16] Todavia, apesar do laudo criar uma força obrigatória, tal não deve ser confundida com uma força executória, como bem destaca Hildebrando Accioly e Nascimento e Silva: essa força obrigatória não deve ser confundida com a força executória, que, na verdade, não existe, devido à ausência de uma autoridade internacional à qual incumba assegurar a execução das decisões arbitrais.[17]

Pelo fato de não existir esta força executória, é permitido que os Estados assumam medidas compensatórias temporárias visando ao cumprimento do laudo. A parte derrotada só resta solicitar em um prazo de quinze dias algum esclarecimento sobre o laudo, ou com este deverá ser cumprido.[18]

Protocolo de Ouro Preto

O Protocolo de Ouro Preto, criou um procedimento geral para propor reclamações na Comissão de Comércio do Mercosul, naquelas matérias que forem de competência deste órgão. O Estado Parte poderá reclamar perante a presidência da Comissão e caso ela não adote uma decisão na reunião, esta remeterá os antecedentes a um Comitê Técnico.[19]

O Comitê Técnico fará um parecer sobre a litigância e encaminha-lo-á para a Comissão de Comércio, para que este decida a controvérsia. Se não for possível estabelecer uma solução a Comissão deve encaminhar as propostas, o parecer e as conclusões ao Grupo Mercado Comum. Se não houver consenso novamente com a decisão tomada, cabe às partes acionar o mecanismo arbitral previsto no Protocolo de Brasília.[20]

Protocolo de Olivos

Este Protocolo que começou a vigorar em 2004, atualmente regula o mecanismo de Solução de Controvérsias do Mercosul. Primeiramente deve-se assinalar quais foram as características mantidas do sistema original e podem ser expostas de forma sintética por Welber Barral:

a) a resolução das controvérsias continuará a se operar por negociação e arbitragem, inexistindo uma instância judicial supranacional; b) os particulares continuarão dependendo dos governos nacionais para apresentarem suas demandas; c) o sistema continua sendo provisório, e deverá ser novamente modificado quando ocorrer o processo de convergência da tarifa externa comum.[21]

Este mesmo autor expõe segundo o Protocolo as fases estabelecidas por este para a solução de controvérsias:

a) negociações diretas entre os Estados Partes; b) intervenção do Grupo Mercado Comum, não obrigatória e dependente da solicitação de um Estado Parte; c) arbitragem ad hoc, por três árbitros; d) recurso, não obrigatório, perante um Tribunal Permanente de Revisão; e) recurso de esclarecimento, visando a elucidar eventual ponto obscuro do laudo; f) cumprimento do laudo pelo Estado obrigado; g) revisão do cumprimento, a pedido do Estado beneficiado; h) adoção de medidas compensatórias pelo Estado beneficiado, em caso de não cumprimento do laudo; i) recurso, pelo Estado obrigado, das medidas compensatórias aplicadas.[21]

Apesar do Tribunal Ad hoc, continuar formado por três membros, o procedimento de escolha dos árbitros foi alterado. Dois membros continuam sendo nacionais dos Estados envolvidos no conflitos, mas passam a ser escolhidos em uma lista de 48 nomes em que apenas 12 são indicados pelo Estado parte. O terceiro membro do tribunal é escolhido em uma lista em que cada Estado indica quatro candidatos de outro Estado, sendo que pelo menos um deles deve ser oriundo de países não pertencentes ao Mercosul.[22]

Mas a principal inovação foi a criação do Tribunal Arbitral Permanente de Revisão do Mercosul. O tribunal é composto por cinco árbitros, incluindo um que seja nacional de cada Estado parte. As demandas deste tribunal são limitadas as questões de direito julgadas pelo Tribunal ad hoc e serão julgadas por três árbitros quando a demanda envolver dois Estados; ou cinco quando houver mais de dois Estados envolvidos na demanda.[23]

O Protocolo de Olivos faculta as partes escolher o foro que ocorrerá a solução de controvérsias até antes do início do procedimento, evitando decisões de outras organizações internacionais divergentes sobre o mesmo assunto.

A última novidade que se aponta é que o Conselho do Mercado Comum passa a possuir a faculdade de criar mecanismos discricionários para solucionar disputas envolvendo aspectos técnicos regulados por instrumentos de políticas comerciais comuns.[24]

Por fim, pode-se resumir o funcionamento atual do órgão de solução de controvérsias do Mercosul:[25]

1. Controvérsias entre Estados Partes: o Estado ou o particular pode apresentar a reclamação. Para isso, há duas possibilidades:

a) A na controvérsia podem estabelecer o litígio junto ao TAHM, ou

b) Por comum acordo, podem iniciar o procedimento diretamente ao TPR.

2. Recurso de Revisão: na hipótese de iniciar o litígio no TAHM, o laudo pode ser recorrido pelas partes ao TPR.

3. Medidas Excepcionais e de Urgência: antes do início de uma controvérsia, pode se solicitar ao TPR que dite uma medida provisória, para evitar danos irreparáveis para uma das partes.

4. Opiniões Consultivas: podem ser solicitadas ao TPR, opiniões consultivas não são vinculantes:

a) pelas partes de forma conjunta, ou pelos órgãos decisórios do Mercosul;

b) pelos Tribunais Superiores de Justiça dos Estados Partes, quando se tratar sobre a interpretação do Direito do Mercosul.

5. Os laudos do TAHM, ou do TPR serão obrigatórios para os Estados Partes na controvérsia e quando ficarem firmes serão irreversíveis e formarão coisa julgada.

Ver também

Referências

  1. Mercojur [1]. STf. Página visitada em 20/06/2015
  2. LIMA, SÉRGIO MOURÃO CORRÊA, Tratados Internacionais no Brasil e Integração, LTR Editora, 1998, pag. 100, ISBN 85-7322-510-6
  3. RIBEIRO, Elisa de Sousa (coordenadora). Direito do Mercosul. Curitiba: Appris, 2013.
  4. Bergamaschine Mata Diz, Jamile (2005). «El Sistema de Internalización de normas en el Mercosur: la supranacionalidad plena y la vigencia simultánea». Revista Ius et Praxis. 11 (2). p 227 -260  Ligação externa em |titulo= (ajuda)
  5. AGRCR 8279
  6. art. 2.º do Anexo III do Tratado de Assunção
  7. art. 1º do Protocolo de Brasília
  8. art. 25 do Protocolo de Brasília
  9. art. 2.º e 3.º do Protocolo de Brasília
  10. art. 4.º do Protocolo de Brasília
  11. art. 7.º do Protocolo de Brasília
  12. art. 9.º,§1.º do Protocolo de Brasília
  13. art. 19 do Protocolo de Brasília
  14. art. 9.º e 10.º do Protocolo de Brasília
  15. art. 20 do Protocolo de Brasília
  16. art. 21 do Protocolo de Brasília
  17. ACCIOLY, Hildebrando; NASCIMENTO E SILVA, G. E. do. Manual de Direito Internacional Público. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p.420
  18. art. 23 do Protocolo de Brasília
  19. art. 2.º do Anexo II do Protocolo de Ouro Preto
  20. art. 4.º a 7.º do Protocolo de Ouro Preto
  21. a b BARRAL, Welber. O novo sistema de solução de controvérsias do Mercosul. In: Caderno de Temas Jurídicos - Revista da OAB/SC n.º 107, Dezembro/2002. p. 4.
  22. art. 10 e 11 do Protocolo de Olivos
  23. art. 18 a 20 do Protocolo de Olivos
  24. art. 3.º do Protocolo de Olivos
  25. acessado em 14/06/2008.
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