Carta para a Paz e a Reconciliação Nacional

A Carta para a Paz e Reconciliação Nacional foi uma carta proposta pelo presidente argelino Abdelaziz Bouteflika em uma tentativa de encerrar a Guerra Civil Argelina, oferecendo uma anistia para a maioria dos atos de violência perpetrados durante a guerra. Um referendo sobre o assunto foi realizado em 29 de setembro de 2005, sendo aprovada com 97%, e a carta foi implementada como lei em 28 de fevereiro de 2006.

Contexto

A guerra eclodiu depois que as autoridades militares argelinas suspenderam as primeiras eleições nacionais democráticas do país em 1991, para evitar uma vitória eleitoral dos islamistas.[1] Estima-se que tenha causado cerca de 200.000 mortos ou desaparecidos argelinos, com grupos extremistas fundamentalistas geralmente responsabilizados pela maioria das mortes, incluindo massacres atrozes de civis; mas também com muitas críticas dirigidas ao Groupement d'intervention spécial (GIS) e outras unidades militares por tortura e "desaparecimentos". A violência diminuiu em meados da década de 1990 após uma campanha governamental amplamente bem-sucedida, mas ainda ceifava dezenas de vidas a cada ano, e algumas organizações fundamentalistas menores continuavam a atacar alvos governamentais e civis.

Carta e referendo

De acordo com os resultados oficiais, a Carta foi aprovada por 97,36% dos eleitores, totalizando 79,76% do eleitorado elegível. A Carta, que segue a lei de 1999 sobre "concórdia civil" e as medidas de anistia subsequentes, propunha as seguintes etapas:[2]

  1. Anistia para os "terroristas" que entregaram suas armas, exceto os culpados de assassinato em massa, ataques a bomba a instalações públicas e estupro. Isso inclui os condenados à revelia. Por outro lado, o partido islamista banido Frente Islâmica de Salvação (FIS) não será reintegrado;
  2. Exoneração implícita dos serviços de segurança pelo "desaparecimento" de mais de 7.000 argelinos;
  3. Indenizações financeiras e outras às famílias dos mortos e desaparecidos.

O presidente Bouteflika descreveu o referendo como um esforço para acabar com o derramamento de sangue no país.

Implementação

A Carta deixava a critério do presidente a implementação detalhada de questões como indenizações às vítimas do terrorismo e suas famílias, compensação por danos materiais, o futuro das milícias rurais criadas pelos militares, a possível reintegração dos demitidos do trabalho por motivos políticos, e até que ponto os líderes insurgentes que escaparam para o exterior serão perdoados. Estas matérias podem ser reguladas por legislação parlamentar ou por decreto presidencial.

Crítica

A Carta foi criticada por grupos de direitos humanos que argumentam que ela institucionaliza a impunidade e impede qualquer ação legal contra os serviços de segurança, incluindo o Departamento de Inteligência e Segurança (DRS), ao mesmo tempo que propõe penalidades para quem ousa acusar os anistiados de crimes.[3]

Além disso, as famílias das vítimas e suas organizações continuaram a exigir informações sobre o paradeiro dos desaparecidos e a insistir que a "justiça" deve preceder a reconciliação. Muitos ainda temiam o retorno dos terroristas às suas comunidades.[1]

Finalmente, o maior grupo islâmico radical ainda ativo – o Grupo Salafista para Pregação e Combate (GSPC), que é estimado em algumas centenas de membros e alinhado a al-Qaeda – rejeitou totalmente a Carta e pediu uma continuação de sua "jihad" contra o regime.[4]

Efeitos

Ali Belhadj, antigo n.º 2 da FIS foi libertado, assim como Abdelhak Layada, um dos fundadores do Grupo Islâmico Armado (GIA), em março de 2006. Segundo o Libération, mais de 300 islamistas foram libertados após a nova lei sobre "reconciliação nacional" e esperava-se que várias centenas mais fossem libertados.[5][6]

Referências

  1. a b Alexandra Prado Coelho (29 de Setembro de 2005). «Argelinos votam num referendo para enterrar a guerra civil». Público. Cópia arquivada em 2 de dezembro de 2020 
  2. Algerians approve draft charter for peace and national reconciliation. Magharebia The News & Views of the Maghreb.
  3. «Algeria's Amnesia Decree» (em francês). Human Rights Watch. 10 de abril de 2006 
  4. Algeria: The Charter for Peace and National Reconciliation and the evolution of the violence in Algeria. Refworld
  5. «Réconciliation sur fond d'incertitudes» (em francês). Radio France International. 12 de março de 2006 
  6. «L'Algérie libère les islamistes à tout-va» (em francês). Libération. 13 de março de 2006